A nossa Escola é no primeiro andar de uma construção antiga, por baixo, no piso térreo, uma adega e arrecadação propriedade do Senhor João Morgado. Senhor por ser lavrador e dono de muitas terras, casas e palheiros. Uma das suas casas velhas, por ser Escola, é considerada a mais imponente da aldeia e arredores.
À entrada a arrecadação, mais ao fundo a adega com grandes talhas arrumadas às paredes, ao centro uma enorme mesa em pedra, tão redonda e de buraco ao meio, não engana ! - já foi pedra de moinho.
Na arrecadação estão vários utensílios ligados à agricultura, picaretas, enxadas e enxadões, gadanhas foices e podões, albardas e várias cordas, há muita coisa pelo chão.
No primeiro andar temos a nossa Escola, de paredes empenadas mas bem caiadas, com tecto e soalho em tábuas de pinho, sobre um estrado uma mesa e cadeira, catorze carteiras duplas, dois mapas o de Portugal e o Mapa Mundo, um quadro preto com moldura em pinho onde na parte inferior repousa um apagador feito de trapos e um giz branco, ao fundo da sala, penduradas na parede duas fotografias - Craveiro Lopes e Salazar e à entrada, uma tábua pregada na parede com alguns pregos cravados que servem de cabide às várias bolsas feitas de trapos, onde se guarda uma refeição feita de pão, queijo, azeitonas ou chouriço.
A nossa Escola é fria no Inverno, o soalho tem alguns buracos, falta uma braseira para nos dar algum calor, nem todos os alunos têm sapatos nem roupa para do frio se protegerem. Diz-se "Deus dá o frio conforme a roupa" não é verdade há muitas crianças a tremer, faltam quatro carteiras, há alunos sentados no chão, a porta está empenada e as janelas têm alguns vidros partidos, mesmo assim é aqui que aprendemos a fazer contas, ler e escrever.
A nossa Escola tem dias lindos e cheios de alegria, são os dias de sol, dias de primavera, quando há cheiro a flores, rosmaninho, pampilho, margaça e alecrim. Há muita alegria quando se ouvem os pássaros a chilrear ou quando bem perto de nós, por baixo das telhas se vêm os ninhos dos pardais.
Há dias com medo, não nos sentimos bem, são os dias de trovoada, chuva e frio ou se por perto há acampamento de ciganos, temos medo quando a Guarda Republicana "invade" a nossa Escola para a Senhora Professora assinar o livro de presença. Temos medo porque cometemos algumas faltas - a fruta que roubamos, as pedras que atiramos para o tanque, a seara que pisamos e outras doidices que fizemos.
A Guarda olha para todos nós, comprometidos olhamos para o chão, mas quando Eles saem, sentamo-nos lentamente com um sorriso de alívio e alegria.
Mesmo assim, com tantas dificuldades e receios gosto da nossa Escola, enquanto por cá andar não vou trabalhar, manejando ferramentas iguais às que por baixo de nós, na arrecadação estão a aguardar que mãos de criança as comecem a utilizar.
Mas aos doze anos, a saber ler e escrever, sabendo de cór rios e afluente, linhas férreas e ramais, serras de Portugal, mares e continentes, estamos prontos para trabalhar.
Gosto da nossa Escola, por ser a partir daqui que aprendemos a ser gente, gosto da Senhora Professora e de todos os alunos da primeira à quarta classe.
Não gosto da Escola - dizem que para ser gente, é suficiente saber ler, escrever, ouvir, calar e obedecer.
Artur Gueifão Março/1959