Forno de Cozer Telha

Os incêndios de Agosto/2003, deixaram a descoberto algumas construções que em tempos foram património comunitário em muitas vilas e aldeias. Os pinhais, os silvados, as estevas e outros matos taparam por completo o que o povo construiu, utilizou e por fim esqueceu.

Para recordar um passado recente (50/60 anos), procurei dois fornos de cozer telha, abandonados há cerca de cinquenta anos, um no Vale da Macieira, outro na Viçosa.
 
Estão localizados a três ou quatro quilómetros das aldeias de Domingos da Vinha e Furtado da freguesia de Belver.
 
A localização foi escolhida, tendo em conta haver por perto abundância do barro utilizado no fabrico da telha e tijolo, a lenha para aquecer o forno e a água para amassar
 
Esta actividade foi sempre artesanal e familiar.
 
No período da sua funcionalidade o acesso era feito por caminho de terra batida, quase sempre trilhado pelo rodado dos carros de tracção animal.
 
Embora abandonados e degradados, é possível observar uma boa parte da sua construção.
 
Num destes fornos, a tulha (local onde era cozida a telha ou tijolo), foi construída em granito e xisto, de tal forma e arte que ainda hoje, mantém em bom estado as paredes interiores. A abobada e a grelha apresentam boa consistência.
 
É possível localizar a eira, onde se estendia a telha para secagem e, a poça grande para amassar o barro.
Há por todo o lado fragmentos de telhas e tijolos.
 
Tive oportunidade de encontrar e falar com duas pessoas que trabalharam em fornos de cozer telha. Uma de Trás os Montes, outra do Alto Alentejo, embora distantes os usos e costumes são muito semelhantes.
 
Altino Vaqueiro com 60 anos de idade, natural de Caçarelhos, concelho de Vimioso.
Recorda com saudade os tempos em que trabalhou num dos fornos, descreve os acontecimentos da época com uma precisão admirável.
"Comecei a trabalhar com quinze anos num forno de cozer telha, ganhava 15$00 por dia - jorna Sol a Sol.
 
Cortava o barro destinado à poça grande, onde uma parelha de animais, burros ou mulas pisavam o barro, preparando-o para o fabrico da telha.
Depois de amassado, era transportado em carro de mão até à bancada do talhador. Cortado aos pedaços era deitado na grade, estendido e espalmado de forma a ser colocado sobre o galapo. Daqui seguia para a eira onde permanecia dois ou três dias, o tempo suficiente para a secagem.
Quando não tinha barro para cortar ajudava no transporte da telha ou quando alguma telha rachava eu prontamente me incumbia em repara-la..
O forno onde trabalhei iniciava a actividade depois da apanha das colheitas, isto em princípios de Setembro. Três meses de trabalho com duas ou três cozeduras por semana. Cada fornada cozia cerca de 2500 telhas, cada telha era vendida entre os $50 e 1$00.
Por fornada eram consumidas quatro a cinco carradas de lenha..
Cinco ou seis pessoas trabalhavam no fabrico da telha, às quais eram servidas diariamente cinco refeições; o mata-bicho antes do Sol nascer, o almoço a meio da manhã, o jantar antes do meio da tarde, a merenda ao fim da tarde e a ceia já pela noite dentro.
Eram boas e fartas as refeições, muito queijo e bons pedaços de presunto, pão de milho e centeio, carnes guisadas de porco ou cabra e, muitas sardinhas assadas em tachos de barro, a acompanhar com o bom vinho.
Passados 45 anos recordo com saudade entre outros, o José Joaquim (preparador do barro), o Sr. Venâncio Meirinho (patrão e dono do forno), a esposa Srª Olímpia, o Alexandre Rodrigo (talhador) e o José Garcia - guardo muitas recordações desses tempos e da minha infância, quando por lá passo - o coração fica"
Foi assim que Altino Vaqueiro, residente na Serra da Luz/Odivelas terminou o seu testemunho.
 
O segundo depoimento, foi feito por Conceição Gertrudes, natural de Furtado / Belver, tem 79 anos de idade e trabalhou no forno familiar do seu irmão João Alexandre.
"O nosso forno era familiar só trabalhava nos meses de Setembro e Outubro, cozia uma vez por semana telhas e tijolos. Quatro ou cinco carradas. A telha era feita por encomenda, não sendo necessário haver oferta para a venda. O barro que abastecia o forno era da melhor qualidade diziam. A telha ficava muito vermelha, sem empenos e assentava muito bem sobre os barrotes. A lenha era apanhada por perto e, a água fornecida por uma mina que havia lá ao lado. O forno dava muito trabalho e os proveitos eram poucos. O nosso forno cozeu mais ou menos até 1950.
Os fornos do Sr. Martinho Alves no Vale da Macieira e do Sr. Dr. Leitão na Mantela em Mação pararam pouco tempo depois.
Vieram outras telhas e, se isto só não bastasse, a construção de casas e palheiros abrandou.
Já passaram muitos anos, os fornos estão perdidos e, quem neles trabalhou poucos estão vivos.
O forno do Dr. Leitão foi até 1940 um dos maiores no fabrico de telha e tijolo, trabalhou nele a Maria Elisa da Mantela, pode ser que se lembre de outras coisas - eu estou já muito esquecida".
(este depoimento é de minha mãe, o João Alexandre, já falecido, foi meu tio).
 
Vocabulário:
 
Forno familiar: Forno de família (pais, filhos, irmãos …)
Forno comunitário: Forno pertencente a varias famílias.
Carrada: Um carregamento em carro de bois, vacas, mulas, machos ou burros.
Barreiro: Local onde era explorado o barro.
Poça ou pio: Local onde era amassado o barro.
Talhar: Cortar o barro aos pedaços para facilitar o amassar
Amassar : Misturar a água com o barro até fazer a mistura apropriada.
Talhador: Pessoa que prepara o inicio da telha, espalha, espalma e corta o barro de forma a fazer telha (um bom talhador dizem, cortava cerca de 2000 telhas num dia).
Grade: Forma onde era talhada a telha.
Galapo: Forma em meia cana, moldava a telha.
Rolo: Pau redondo com cerca de 50 cm de comprimento e 10 cm de diâmetro, servia para espalmar o barro sobre a grade.
Masseira ou masseiro: Recipiente feito de madeira, servia para o talhador ir molhando as mãos.
Ranhadouro ou forcado: Vara em madeira com 4 ou 5 metros de comprimento, servia para mexer a lenha dentro do forno.
Rodo: Peça em madeira ou ferro, servia para mexer as brasas
Eira: Espaço onde era colocada a telha para secagem
Secagem: Período em que a telha ficava estendida na eira (dois a três dias)
Enfornar: Colocar a telha sobre a grelha do forno de forma a ser cozida (um dia)
Cozer a telha: Período em que a telha estava sujeita a temperaturas elevadas - dentro do forno (um dia ou uma noite)
Cobrir o forno: Depois de cozida a telha, o forno era tapado com ramos e barro (uma noite ou um dia)
Desenfornar: Retirar a telha do forno (uma manhã)
Enformadeira: Trabalho destinado a restaurar telha (depois desta já estar na eira para secar)
Tapador de rachas: Aquele que tapava as rachas ou fissuras nas telhas
 
Medidas aproximadas de um forno
 
Área do forno, onde era queimada a lenha /Lastro: 8 a 12 m2
Área da grelha, por cima da abobada, onde era colocada a telha: 10 a 16 m2
Altura da tulha, Espaço destinado à telha para ser cozida: 2,5 a 3 metros
 
Artur Gueifão/2003
 

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